Mais profundo do que “as duas como elas”, o termo sororidade remete à ideia de solidariedade entre as mulheres. Trata-se de ter empatia inata por outras mulheres além de você, colocando-se no lugar delas, respeitando suas experiências e ajudando-as quando possível.
Algumas mulheres são guiadas pela sororidade e fazem da prática um estilo de vida, causando um impacto positivo imensurável. Conheça quatro delas a seguir.
Laina Crisóstomo
Advogada e co-vereadora na Câmara Municipal de Salvador, na Bahia, Laina tem 35 anos e atua no combate à violência contra a mulher com a organização não governamental da qual é co-fundadora, a Tamo Juntas.
A organização, que já esteve presente em 22 estados do Brasil, presta assistência jurídica, psicológica e social a mulheres vítimas de violência doméstica, com voluntárias profissionais nas três áreas. O movimento teve início em 2016, através das redes sociais de Laina, com ajuda de outras duas advogadas. “No dia 12 de maio de 2016, a gente criou a página da Tamo Juntas”, conta ela, que explica que o nome foi criado para que outras mulheres pudessem encarar o Direito em uma perspectiva informal.
A alta demanda levou as três mulheres a pensarem em estratégias para atrair voluntárias em outros estados do país. Elas perceberam, também, a necessidade de incluir assistentes sociais e psicólogas à equipe, para prestar acolhimento às vítimas atendidas e garantir que “voltassem a sonhar e ter planos de vida”, segundo Laina.
“Eu passei muitos anos no Direito tentando entender em que lugar eu cabia. Me perguntava como é que eu ia fazer com que ele estivesse a serviço do que eu acreditava”, conta. “E quando a Tamo Juntas nasceu, foi um divisor de águas, porque é sobre entender o meu lugar no mundo. É sobre perceber que eu tinha muita paixão por isso. O debate sobre mulheres tem a ver com a minha vida, com a minha trajetória e com a minha ancestralidade”, declara a advogada.
Sobre a carreira política, ela explica: “Eu nunca pensei em ser candidata, mas em 2020 elegemos, aqui em Salvador, uma mandata coletiva de três mulheres pretas para fazer o enfrentamento ao machismo, ao racismo e ao patriarcado, e estamos ‘bombando’ na câmara.” Laina destaca que tem muito orgulho de seu trabalho, mas protesta com insatisfação: “É uma balança que a gente precisa equilibrar: ter paixão pela atuação e entender que a gente precisa cobrar do Estado o seu papel, porque não é natural que organizações não governamentais tenham que fazer o trabalho do Estado.”
Michelle Dias
Natural da cidade de Bauru, em São Paulo, Michelle é referência em micropigmentação paramédica areolar. Através de desenhos ultrarrealistas, a técnica “reconstrói” aréolas e mamilos de mulheres que os perderam — seja em decorrência da mastectomia pós-câncer de mama, queimaduras, necrose pós-cirurgia plástica, acidentes ou outras razões.
A esteticista de 40 anos conta que conheceu a técnica através das redes sociais, em 2020, e se apaixonou instantaneamente. “Eu treino e estudo muito. Pretendo começar a ministrar cursos, porque é uma área carente de profissionais. Os médicos e as pacientes precisam do nosso trabalho.”
Michelle assegura um procedimento gratuito para as mulheres que não podem pagar, e mesmo quem pode contribuir desembolsa um valor simbólico. “Quem paga, paga uma taxa menor, não é o valor de uma reconstrução estética”, explica. Com a ajuda dessas pequenas taxas, ela garante os materiais necessários para as mulheres que não podem pagar. “E assim a gente vai gerando esse ciclo do bem”, completa.
Luana Escamilla
Luana tem apenas 18 anos, mas já impactou, diretamente, a vida de mais de 17 mil mulheres. Ela idealizou e comanda o projeto Fluxo Sem Tabu, que “fornece absorventes e kits completos de higiene íntima para as camadas mais vulneráveis da sociedade e luta pela democratização do acesso à informação sobre menstruação”, de acordo com o site oficial do movimento, que conta com mais de 700 voluntários.
A agora estudante de Publicidade e Propaganda conta que o ímpeto de criar o projeto surgiu quando tinha 16 anos, após assistir um documentário sobre pobreza menstrual. “Eu nunca tinha parado para pensar que existem pessoas que não têm acesso a um absorvente, então eu fiquei muito chocada e indignada ao ver que ninguém falava sobre isso”, relata.
Presente em nove estados do Brasil, o Fluxo Sem Tabu combate a pobreza menstrual aliando-se a organizações não-governamentais e atuando em comunidades — como Paraisópolis, em São Paulo — e diretamente com mulheres em situação de rua. “Nas entregas, nós gostamos de fazer uma roda de conversa, trazer conscientização. Muitas vezes, tentamos levar ginecologistas”, conta a idealizadora do projeto.
Apesar do impacto positivo, Luana revela que seu trabalho lhe causa uma mistura de sentimentos: “É ‘doido’ ver uma pessoa ficando feliz com um item tão básico, mas também é muito gratificante poder ajudar e fazer a diferença.” E finaliza contextualizando sua motivação: “Um absorvente é uma questão de dignidade, é um direito. Ninguém deveria ter que usar métodos inseguros para conter o próprio sangue.”
Mariana Marima
Após uma vida de aventuras morando em países como África do Sul, China e Irlanda, Mariana embarcou em mais uma delas ao retornar ao Brasil: ter seu próprio empreendimento, junto a seu marido. Proprietária de uma escola de inglês irlandesa EdTech — que usa inteligência artificial para ensinar os alunos —, seu projeto pessoal é levar a oportunidade de aprender inglês gratuitamente a mulheres negras.
Mariana tem 36 anos e é casada com um homem irlandês há oito. Seu propósito surgiu após uma — até então — amiga pessoal insinuar que ela conseguiria outro emprego somente se tivesse relações sexuais com um estrangeiro. “Ela me falou: ‘Se você terminar com ele [seu marido], o que você vai fazer? Emprego você não vai conseguir porque você é negra, seu inglês não é bom porque você é negra, só se você der para outro gringo’”, relata a empresária.
“Foi aí que me veio esse ímpeto de ajudar. Depois que isso aconteceu, eu procurei maneiras de ajudar principalmente mulheres mais jovens, porque essas palavras poderiam ter as machucado e desestimulado muito mais”, conta, referindo-se à situação de racismo sofrida. “Com inglês e conversas, eu dou o meu tempo para mulheres pretas, porque eu sinto que a gente tem um bloqueio com o idioma.”